segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Cuidar da criação de Deus Educação, ética, direitos humanos e meio ambiente

01/06/2011

Cuidar da criação de Deus 
Educação, ética, direitos humanos e meio ambiente

 
   Neste espaço, convido a refletirmos sobre as interconexões de quatro grandes temas para a sustentabilidade humana no planeta: a urgência de educação, ética, direitos humanos e meio ambiente como fundamentos para a vida cotidiana de um cristão livre diante de todos e de tudo e, ao mesmo tempo, sujeito a todos e a tudo pelo amor.
   Elegemos a questão dos direitos humanos como ponto de origem para a defesa da necessidade de educação, ética e cuidados com o meio ambiente para as novas gerações. Tanto os direitos humanos quanto a ética possuem a sua historicidade, o seu lugar, o seu tempo e o seu espaço, em que os seus sentidos e significados foram e são construídos e reconstruídos pela ação e relação humana, por isso, o seu lugar para a nossa análise e reflexão é a nossa própria realidade, na qual a sua a universalidade ainda é uma ausência quase universal “Os direitos humanos, por definição, tencionam ser universais. No entanto, sua característica mais universal é sua violação universal” (LIENEMANN, Wolfgang. A evolução dos direitos humanos. In: LISSNER, Jorgen; SOVIK, Arne (Editores). Direitos Humanos: uma coletânea sobre direitos humanos. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1982, p. 80).
   Diferente não ocorre com a ética e com os cuidados com o meio ambiente, que, no período da Modernidade, foram alijados das relações humanas, das questões do convívio humano e da sua relação com o meio ambiente, pela ciência positivista, pela racionalidade técnica e científica, utilitarista e promotora do poder do dinheiro e da produção por meio da transformação da natureza.
   Historicamente, somos reféns do mundo sistêmico, do poder e do dinheiro, que têm buscado um desenvolvimento econômico e tecnológico que beneficia apenas uma parte das pessoas neste planeta. Se, por um lado, catástrofes naturais podem ser evitadas ou amenizadas mediante um planejamento que tenha a vida como núcleo central, por outro lado, as tragédias, decorrentes da ganância, da incompetência social e das corrupções estruturais e pessoais, continuam ceifando vidas e impedindo dignidade e abundância para a maioria da população mundial.
É significativa a visão dessa realidade planetária ilustrada por Viviane Forrester, em seu livro O Horror Econômico, no qual afirma que, “[...] são milhões de pessoas, digo bem pessoas, colocadas entre parênteses, por tempo indefinido, talvez sem outro limite a não ser a morte, têm direito apenas à miséria ou à sua ameaça mais ou menos próxima, à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda a consideração social e até mesmo de toda a autoconsideração. Ao drama das identidades precárias ou anuladas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha”.
   O Filósofo Ernildo Stein se refere a esta realidade como um quadro de horrores do nosso mundo globalizado. Trata-se, segundo o Filósofo, de macrofenômenos macabros de ordem material e que nos chocam diariamente pela mídia ou in loco: a morte de milhões de seres humanos pela fome, principalmente nos países empobrecidos, a violência das guerras regionais, étnicas, tribais e econômicas com centenas de milhares de mortes, as doenças endêmicas, epidêmicas e sazonais entre os povos mais pobres, a violência urbana produzindo terror e medo em todos, as catástrofes climáticas, da civilização, no trânsito, a exploração pelo trabalho escravo de adultos e crianças, a prostituição de menores, usados como objetos no turismo, o desespero dos excluídos do processo social, a perseguição e a extinção das minorias de todos os tipos, a exclusão da saúde e a privação da palavra das maiorias pobres e exploradas, a agressão da mídia e da propaganda, violentando a frágil estrutura do desejo, o sucateamento dos idosos, aposentados, doentes, desempregados e das mulheres cheias de filhos, a mortalidade infantil, o desperdício, o armazenamento de alimentos para fins de especulação, a destruição dos recursos naturais do planeta e a manipulação das esperanças e dos sonhos da juventude.
   Também existem macrofenômenos de outra ordem e que, progressivamente, aprendemos a ver nas ciências humanas. São os fenômenos que envolvem diretamente a história de cada indivíduo, como, por exemplo, a destruição das identidades pessoais e a multiplicação dos borderlines, a dimensão das perversões e a consagração da transgressão como o modo de ascensão social, a perda da relação com o ‘mundo’ e o incremento das psicoses, o mito individual do neurótico e a difusão do sofrimento psíquico, a infantilização do adulto e a precoce conversão em objeto sexual da criança, o narcisismo generalizado e a multiplicação das relações de espelhamento nos outros, a fadiga sexual generalizada e a difusão da permissividade como contrapartida, a delegação da autoridade dos pais aos grupos etários dos filhos e a morte dos modelos adultos na formação da identidade pessoal, a perda da substância ética e o avanço da estetificação das relações pessoais, o esgarçamento da relevância social do trabalho e a perda do valor biográfico do trabalho, o desaparecimento do valor verdade e a consagração de um pensamento estratégico, o fim da justiça como princípio político fundamental e a justificação pelo procedimento correto, o fim de referências absolutas e a fragmentação das histórias de vida.
   Tudo isso leva a crer que os seres humanos vêm esquecendo perigosamente que tudo o que existe no presente, o concreto e o teórico, o objetivo e o subjetivo, é consequência de algo que o antecedeu, que foi. Em grande escala, a rápida transformação da natureza é consequência do trabalho humano. Ao mesmo tempo, o ser humano é também o resultado de transformações teóricas, sistematizações, questões de fé, religião, arte, conhecimentos e saberes múltiplos. Enfim, tudo o que somos, somos graças àqueles que nos antecederam em toda a luta, experiência, relacionamentos, alegrias, conquistas, frustrações, choros e sofrimentos, saberes construídos e reconstruídos. A nossa identidade como ser humano constitui-se a partir desse passado que continua sendo, isto é, existindo em nós.
   Entretanto, esta realidade encontra-se no limite. A ciência transformou extraordinariamente o espaço e avançou de tal forma no conhecimento, na capacidade produtiva, no campo da manipulação da vida, levando-nos, por exemplo, a uma verdadeira encruzilhada biotecnológica no tocante à vida humana. Segundo Brakemeier, “As conquistas biológicas se sucedem com tamanha rapidez que o válido hoje pode estar obsoleto amanhã” (BRAKEMEIER, Gottfried. O ser humano em busca de identidade: contribuições para uma antropologia teológica. São Leopoldo: Sinodal: São Paulo: Paulus, 2002, p.135). São técnicas de reprodução, diagnósticos pré-natais, transplante de órgãos, eutanásia, transgenia, manipulação genética, clonagem animal e humana. Toda esta realidade suscita demandas éticas. Para onde vai o mundo? Qual o destino da humanidade?
   O Programa Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça nos lembra que direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e a sua integridade física protegida e assegurada. (Programa Nacional dos Direitos Humanos. Ministério da Justiça, Brasília, 1996, p. 7-8)
No entanto, o menor grau de conhecimento destes direitos está justamente entre aqueles que menos direitos possuem, ou seja, a grande parcela de excluídos do mercado e das possibilidades de educação, saúde, cultura, habitação, trabalho, etc. Entretanto, a Declaração Universal afirma Todos os homens (e as mulheres) nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem proceder uns para com os outros com espírito de fraternidade (Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos).
   Uma efetiva implantação dos direitos humanos demanda profundas mudanças na estrutura da sociedade e estas só têm um caminho para a sua construção: a educação. Como nos lembra o nosso grande Educador Paulo Freire Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.
   Educação é um ‘que-fazer’ humano, que não possui um fim em si mesmo, mas instrumento que está a serviço, tanto para a manutenção quanto para a transformação social. Segundo Nestor Beck, “[...] educação é algo que a gente faz”. Significa que todos os seres humanos fazem educação. Um fazer que o referido autor identifica pelos verbos “educar, ensinar, instruir, formar”. Estes verbos, diz Beck, referem-se a processos mútuos entre humanos, que se educam, ensinam, instruem e formam mutuamente, por isso essa ação se assenta sobre o diálogo, que, por meio da comunicação, permite partilhar conhecimentos e construir novos conhecimentos. “A educação, assim como a entendemos, fundamenta-se na socialização. É uma interação na qual os seres humanos se engajam para se fazerem, isto é, para fazerem-se humanos, coletiva como pessoalmente” (BECK, Nestor L. J. Educar para a vida em sociedade: estudos em ciências da educação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996, p.57, 58 e 65).
   Portanto, para que o conhecimento dos direitos humanos e a sua aplicabilidade se tornem uma filosofia de vida, um paradigma ético fundamental da cidadania para combater a barbárie de chacinas, extermínios, assassinatos, sequestros, crime organizado, corrupção, tráfico de drogas e de informações, mortes no trânsito, analfabetismo, desemprego, trabalho infantil, exclusão e destruição do meio ambiente, faz-se necessário encharcar o processo educativo destes princípios fundamentais. A educação precisa ser o nosso caminho para o enfrentamento dessa realidade.

P. Dr. Alvori Ahlert é Pós-Doutorando em Educação, Doutor em Teologia - Área Religião e Educação, Mestre em Educação nas Ciências, Professor Adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), membro do Grupo de Extensão e Pesquisa em Educação Física Escolar (Gepefe) e do Grupo de Pesquisa ‘Cultura, Fronteira e Desenvolvimento Regional’ e membro do Hisula - Grupo de Investigación ‘Historia de la Universidad Latinoamericana’, de la Universidad Pedagógica Y Tecnologica de Colombia – Tunja, Colombia

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