quinta-feira, 14 de outubro de 2010

PROFESSORES E PROFESSORAS COMO INTELECTUAIS NUMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

Diante de mais um Dia do Professor, a sociedade é lembrada que existem professores e professoras. Comemora-se com homenagens ou com recesso o Dia do Professor. Mas será que a sociedade ainda valoriza esta função de professor/a? O que este/a professor/a ainda tem a dizer para a sociedade? Qual ainda é o efetivo valor desta função que possui tão longa história humana? Que a sociedade mesma responda sobre o que tem feito com estes profissionais! Que ela se pergunte quanto aos políticos que tem eleito para conduzir as grandes questões pertinentes à educação municipal, estadual e nacional!
Neste espaço quero, pois, dirigir minhas indagações a nós professores/as. Como comemoramos o nosso dia? Como temos nos encarado?:Como uma classe de trabalhadores e trabalhadoras com uma missão a desenvolver, ou como um bando de individualistas egocêntricos e narcisistas? Temos assumido nosso lugar de intelectuais na sociedade onde nos encontramos, ou temos aceitado medíocre e passivamente o poder que nos esmaga e impõe programas, estruturas e dominações ideológicas sobre o povo e, por extensão, sobre nós mesmos, reproduzindo uma sociedade desumana e excludente?
Para refletir sobre estas questões quero compartilhar com os professores e as professoras alguns pensamentos de uma belíssima palestra do Prof. Dr. Milton Santos, intitulada “O professor como intelectual na sociedade contemporânea”, publicada nos Anais do IX ENDIPE, 1998. Este grande pensador nos deixou escritos muito vivos e cada vez mais atuais sobre educação, nos lembra que vivemos cada vez mais sob a tirania do dinheiro e da informação em rede que tem gerado pobreza, exclusão, miséria. A técnica tem conduzido para o que se opõe à vida matematizando a existência e desenvolvendo um pensamento meramente calculante.
Diante disso, ele nos desafia a retomarmos a busca pela liberdade e pela verdade, o que é nosso destino como educadores. “Quanto mais o nosso trabalho for livre, mais educaremos para a cidadania. Quanto mais o nosso trabalho for acorrentado, mais estaremos produzindo individualidades débeis”, diz Santos.
Urge resgatarmos a utopia em nossos planejamentos, em nossas ações pedagógicas, acreditando que, UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL. Precisamos assumir nosso lugar de intelectuais e para isso pesquisar e trabalhar. Esse trabalho de intelectuais e educadores deve ser fundado no futuro. Intelectuais olham para o futuro. Não buscam o aplauso, diz Santos, mas unicamente a verdade. Por isso são “inadministráveis”. São fermento de uma verdadeira e intensa atividade de pesquisa – ensino – pesquisa. Jamais renunciam à crítica, pois renunciar à crítica significaria permitir o assassinato interno da democracia. Significa, num esforço de interpretar, desvendar a realidade. Significa ajudar e oferecer à comunidade educativa a enfrentar as situações da realidade.
Entretanto, este trabalho como intelectuais é arriscado. “Quem teme perigos”, diz Santos, “deve renunciar à tarefa de ensinar”, pois é preciso enfrentar as grandes questões da realidade de exclusão que decorrem de macrofenômenos políticos e econômicos e dos microfenômenos de ordem familiar e social.
Daí que, como intelectuais, precisamos tornar-nos indivíduos sem sermos individualistas. Para Santos, o indivíduo forte busca aperfeiçoar-se diariamente. Isso significa tornar-se consciente do mundo, do seu lugar,da sua comunidade, da sociedade, de si mesmo. Indivíduos fortes não recusam opiniões opostas, mas constroem outras e novas opiniões a partir do embate de idéias, pois “a crítica acelera a produção do pensamento e isso se torna produção coletiva do pensamento”, diz o referido autor.
Somente isso nos permitirá recuperar a dignidade e o respeito que nos é devido, garantindo-nos salários dignos, horas de estudo e discussão da prática pedagógica e um planejamento coletivo de nossas ações.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Manifesto

Professores e Pesquisadores de Filosofia Apoiam Dilma Rousseff para a Presidência da República


Professores e pesquisadores de Filosofia, abaixo assinados, manifestamos nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Seguem-se nossas razões.

Os valores de nossa Constituição exigem compromisso e responsabilidade por parte dos representantes políticos e dos intelectuais

Nesta semana completam-se vinte e dois anos de promulgação da Constituição Federal. Embora marcada por contradições de uma sociedade que recém começava a acordar da longa noite do arbítrio, ela logrou afirmar valores que animam sonhos generosos com o futuro de nosso país. Entre os objetivos da República Federativa do Brasil estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A vitalidade de nossa República depende do efetivo compromisso com tais objetivos, para além da mera adesão verbal. Por parte de nossos representantes, ele deve traduzir-se em projetos claros e ações efetivas, sujeitos à responsabilização política pelos cidadãos. Dos intelectuais, espera-se o exame racionalmente responsável desses projetos e ações.

Os oito anos de governo Lula constituíram um formidável movimento na direção desses objetivos. Reconheça-se o papel do governo anterior na conquista de relativa estabilidade econômica. Ao atual governo, porém, deve-se tributar o feito inédito de conciliar crescimento da economia, controle da inflação e significativo desenvolvimento social. Nesses oito anos, a pobreza foi reduzida em mais de 40%; mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média; a desigualdade de renda sofreu uma queda palpável. Não se tratou de um efeito natural e inevitável da estabilidade econômica. Trata-se do resultado de políticas públicas resolutamente implementadas pelo atual governo – as quais não se limitam ao Bolsa Família, mas têm nesse programa seu carro-chefe.

Tais políticas assinalam o compromisso do governo Lula com a realização dos objetivos de nossa República. Como ministra, Dilma Rousseff exerceu um papel central no sucesso dessa gestão. Cremos que sua chegada à Presidência representará a continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os últimos oito anos.

Há razões para duvidar que um eventual governo José Serra ofereça os mesmos prospectos. É notório o desprezo com que os programas sociais do atual governo – em particular o Bolsa Família – foram inicialmente recebidos pelos atores da coligação que sustenta o candidato. Frente ao sucesso de tais programas, José Serra vem agora verbalizar sua adesão a eles, quando não arroga para si sua primeira concepção. Não tendo ainda, passado o primeiro turno, apresentado um programa de governo, ele nos lança toda sorte de promessas – algumas das quais em franco contraste com sua gestão como governador de São Paulo – sem esclarecer como concretizá-las. O caráter errático de sua campanha justifica ceticismo quanto à consistência de seus compromissos. Seu discurso pautado por conveniências eleitorais indica aversão à responsabilidade que se espera de nossos representantes. Ironicamente, os intelectuais associados ao seu projeto político costumam tachar o governo Lula e a candidatura Dilma de populistas.

O compromisso com a inclusão social é um compromisso com a democracia


A despeito da súbita conversão da oposição às políticas sociais do atual governo, ainda ecoam entre nós os chavões disseminados por ela sobre os programas de transferência de renda implementados nos últimos anos: eles consistiriam em mera esmola assistencialista desprovida de mecanismos que possibilitem a autonomia de seus beneficiários; mais grave, constituiriam instrumento de controle populista sobre as massas pobres, visando à perpetuação no poder do PT e de seus aliados. Tais chavões repousam sobre um equívoco de direito e de fato.

A história da democracia, desde seus primeiros momentos na pólis ateniense, é a história da progressiva incorporação à comunidade política dos que outrora se viam destituídos de voz nos processos decisórios coletivos. Que tal incorporação se mostre efetiva pressupõe que os cidadãos disponham das condições materiais básicas para seu reconhecimento como tais. A cidadania exige o que Kant caracterizou como independência: o cidadão deve ser “seu próprio senhor (sui iuris)”, por conseguinte possuir “alguma propriedade (e qualquer habilidade, ofício, arte ou ciência pode contar como propriedade) que lhe possibilite o sustento”. Nossa Constituição vai ao encontro dessa exigência ao reservar um capítulo aos direitos sociais.

Os programas de transferência de renda implementados pelo governo não apenas ajudaram a proteger o país da crise econômica mundial – por induzirem o crescimento do mercado interno –, mas fortaleceram nossa democracia ao criar bases concretas para a cidadania de milhões de brasileiros. Se atentarmos ao seu formato institucional, veremos que eles proporcionam condições para a progressiva autonomia de seus beneficiários, ao invés de prendê-los em um círculo de dependência. Que mulheres e homens beneficiados por tais programas confiram seus votos às forças que lutaram por implementá-los não deve surpreender ninguém – trata-se, afinal, da lógica mesma da governança democrática. Senhoras e senhores de seu destino, porém, sua relação com tais forças será propriamente política, não mais a subserviência em que os confinavam as oligarquias.

As liberdades públicas devem ser protegidas, em particular de seus paladinos de ocasião

Nos últimos oito anos – mas especialmente neste ano eleitoral – assistiu-se à reiterada acusação, por parte de alguns intelectuais e da grande imprensa, de que o presidente Lula e seu governo atentam contra as liberdades públicas. É verdade que não há governo cujos quadros estejam inteiramente imunes às tentações do abuso de poder; é justamente esse fato que informa o desenvolvimento dos sistemas de freios e contrapesos do moderno Estado de Direito. Todavia, à parte episódios singulares – seguidos das sanções e reparos cabíveis –, um olhar sóbrio sobre o nosso país não terá dificuldade em ver que o governo tem zelado pelas garantias fundamentais previstas na Constituição e respeitado a independência das instituições encarregadas de protegê-las, como o Ministério Público, a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal.

Diante disso, foi com desgosto e preocupação que vimos personalidades e intelectuais ilustres de nosso país assinarem, há duas semanas, um autointitulado “Manifesto em Defesa da Democracia”, em que acusam o governo de tramas para “solapar o regime democrático”. À conveniência da candidatura oposicionista, inventam uma nova regra de conduta presidencial: o Presidente da República deve abster-se, em qualquer contexto, de fazer política ou apoiar candidaturas. Ironicamente, observada tal regra seria impossível a reeleição para o executivo federal – instituto criado durante o governo anterior, não sem sombra de casuísmo, em circunstâncias que não mereceram o alarme da maioria de seus signatários.

Grandes veículos de comunicação sistematicamente alardeiam que o governo Lula e a candidatura Dilma representam uma ameaça à liberdade de imprensa, enquanto se notabilizam por uma cobertura militante e nem sempre responsável da atual campanha presidencial. As críticas do Presidente à grande imprensa não exigem adesão, mas tampouco atentam contra o regime democrático, em que o Presidente goza dos mesmos direitos de todo cidadão, na forma da lei. Propostas de aperfeiçoamento dos marcos legais do setor devem ser examinadas com racionalidade, a exemplo do que tem acontecido em países como a França e a Inglaterra.

Se durante a campanha do primeiro turno houve um episódio a ameaçar a liberdade de imprensa no Brasil, terá sido o estranho requerimento da Dra. Sandra Cureau, vice-procuradora-geral Eleitoral, à revista Carta Capital. De efeito intimidativo e duvidoso lastro legal, o episódio não recebeu atenção dos grandes veículos de comunicação do país, tampouco ensejou a mobilização cívica daqueles que, poucos dias antes, publicavam um manifesto contra supostas ameaças do Presidente à democracia brasileira. O zelo pelas liberdades públicas não admite dois pesos e duas medidas. Quando a evocação das garantias fundamentais se vê aliciada pelo vale-tudo eleitoral, a Constituição é rebaixada à mera retórica.

Estamos convictos de que Dilma Rousseff, se eleita, saberá proteger as liberdades públicas. Comprometidos com a defesa dessas liberdades, recomendamos o voto nela.

Em defesa do Estado laico e do respeito à diversidade de orientações espirituais, contra a instrumentalização política do discurso religioso

A Constituição Federal é suficientemente clara na afirmação do caráter laico do Estado brasileiro. É garantida aos cidadãos brasileiros a liberdade de crença e consciência, não se admitindo que identidades religiosas se imponham como condição do exercício de direitos e do respeito à dignidade fundamental de cada um. Isso não significa que a religiosidade deva ser excluída da cena pública; exige, porém, intransigência com os que pregam o ódio e a intolerância em nome de uma orientação espiritual particular.

É, pois, com preocupação que testemunhamos a instrumentalização do discurso religioso na presente corrida presidencial. Em particular, deploramos a guarida de templos ao proselitismo a favor ou contra esta ou aquela candidatura – em clara afronta à legislação eleitoral. Dilma Rousseff, em particular, tem sido alvo de campanha difamatória baseada em ilações sobre suas convicções espirituais e na deliberada distorção das posições do atual governo sobre o aborto e a liberdade de manifestação religiosa. Conclamamos ambos os candidatos ora em disputa a não cederem às intimidações dos intolerantes. Temos confiança de que um eventual governo Dilma Rousseff preservará o caráter laico do Estado brasileiro e conduzirá adequadamente a discussão de temas que, embora sensíveis a religiosidades particulares, são de notório interesse público.

O compromisso com a expansão e qualificação da universidade é condição da construção de um país próspero, justo e com desenvolvimento sustentável

É incontroverso que a prosperidade de um país se deixa medir pela qualidade e pelo grau de universalização da educação de suas crianças e de seus jovens. O Brasil tem muito por fazer nesse sentido, uma tarefa de gerações. O atual governo tem dado passos na direção certa. Programas de transferência de renda condicionam benefícios a famílias à manutenção de suas crianças na escola, diminuindo a evasão no ensino fundamental. A criação e ampliação de escolas técnicas e institutos federais têm proporcionado o aumento de vagas públicas no ensino médio. Programas como o PRODOCENCIA e o PARFOR atendem à capacitação de professores em ambos os níveis.

Em poucas áreas da governança o contraste entre a administração atual e a anterior é tão flagrante quanto nas políticas para o ensino superior e a pesquisa científica e tecnológica associadas. Durante os oito anos do governo anterior, não se criou uma nova universidade federal sequer; os equipamentos das universidades federais viram-se em vergonhosa penúria; as verbas de pesquisa estiveram constantemente à mercê de contingenciamentos; o arrocho salarial, aliado à falta de perspectivas e reconhecimento, favoreceu a aposentadoria precoce de inúmeros docentes, sem a realização de concursos públicos para a reposição satisfatória de professores. O consórcio partidário que cerca a candidatura José Serra – o mesmo que deu guarida ao governo anterior – deve explicar por que e como não reeditará essa situação.

O atual governo tem agido não apenas para a recuperação do ensino superior e da pesquisa universitária, após anos de sucateamento, como tem implementado políticas para sua expansão e qualificação – com resultados já reconhecidos pela comunidade científica internacional. O PROUNI – atacado por um dos partidos da coligação de José Serra – possibilitou o acesso à universidade para mais de 700.000 brasileiros de baixa renda. Através do REUNI, as universidades federais têm assistido a um grande crescimento na infraestrutura e na contratação, mediante concurso público, de docentes qualificados. Programas de fomento, levados a cabo pelo CNPq e pela CAPES, têm proporcionado um sensível aumento da pesquisa em ciência e tecnologia, premissa central para o desenvolvimento do país. Foram criadas 14 novas universidades federais, testemunhando-se a interiorização do ensino superior no Brasil, levando o conhecimento às regiões mais pobres, menos desenvolvidas e mais necessitadas de apoio do Estado.

Ademais, deve-se frisar que não há possibilidade de desenvolvimento sustentável e preservação de nossa biodiversidade – temas cujo protagonismo na atual campanha deve-se à contribuição de Marina Silva – sem investimentos pesados em ciência e tecnologia. Não se pode esperar que a iniciativa privada satisfaça inteiramente essa demanda. O papel do Estado como indutor da pesquisa científica é indispensável, exigindo um compromisso que se traduza em políticas públicas concretas. A ausência de projetos claros e consistentes da candidatura oposicionista, a par do lamentável retrospecto do governo anterior nessa área, motiva receios quanto ao futuro do ensino superior e do conhecimento científico no Brasil – e, com eles, da proteção de nosso meio-ambiente – no caso da vitória de José Serra. A perspectiva de continuidade e aperfeiçoamento das políticas do governo Lula para o ensino e a pesquisa universitários motiva nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff.

Por essas razões, apoiamos a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Para o povo brasileiro continuar em sua jornada de reencontro consigo mesmo. Para o Brasil continuar mudando!
Fonte: https://sites.google.com/site/manifestofilosofosprodilma/home

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Para Dilma Rousseff: o feminino e a política atual


DEBATE ABERTO

Para Dilma Rousseff: o feminino e a política atual

Dilma Rousseff, como mulher, desperte para sua missão histórica única. Sua candidatura é providencial para o Brasil e para o equilíbrio da Mãe Terra. Que os eleitores, homens e mulheres, ao elegê-la Presidenta, se tornem artífices de um processo de regeneração e de um destino bom para todos.
A reflexão antropológica dos últimos anos tem mostrado que masculino-feminino não são entidades autônomas, mas princípios ou fontes de energia que continuamente constroem o humano como homem e mulher. Estes são resultado da ação destes princípios anteriores e subjacentes que se realizam em densidades diferentes em cada um deles.

O feminino no homem e na mulher é aquele momento de integralidade, de profundidade abissal, de capacidade de pensar com o próprio corpo, de decifrar mensagens escondidas sob sinais e símbolos, de interioridade, de sentimento de pertença a um todo maior, de cooperação, de compaixão, de receptividade, de poder gerador e nutridor e de espiritualidade.

O masculino na mulher e no homem exprime o outro pólo do ser humano, de razão, de objetividade, de ordenação, de poder, até de agressividade e de materialidade. Pertence ao masculino na mulher e no homem o movimento para a transformação, para o trabalho, para o uso da força, para a clareza que distingue, separa e ordena. Pertence ao feminino no homem e na mulher a capacidade de repouso, de cuidado, de conservação, de amor incondicional, de perceber o outro lado das coisas, de cultivar o espaço do mistério que desafia sempre a curiosidade a a vontade de conhecer.

Observe-se: não se diz que o homem realiza tudo o que comporta o masculino e a mulher tudo o que expressa o feminino. Trata-se aqui de princípios presentes em cada um, estruturadores da identidade pessoal do homem e da mulher.

Continua sendo o drama da cultura patriarcal o fato de ter usurpado o princípio masculino somente para o homem fazendo com que ele se julgasse o único detentor de racionalidade, de mando, de construção da sociedade, relegando para a privacidade e para tarefas de dependência a mulher, não raro, considerada um apêndice, objeto de adorno e de satisfação. Ao não integrar o feminino em si, se enrijeceu e se desumanizou. Por outra parte, impedindo que a mulher realizasse o seu masculino, fragilizou-a e lhe fez surgir um sentimento de implenitude. Ambos se depauperaram e mutilaram a construção da figura do ser humano uno e diverso, recíproco e igualitário.

A superação deste obstáculo cultural é a primeira condição para uma relacionamento de gênero mais integrador e justo para cada uma das partes.

O movimento feminista mundial colocou em xeque o projeto do patriarcado que dominou por séculos e desconstruiu as relações de gênero organizadas sob o signo da opressão e da dependência. Inaugurou relações mais simétricas e cooperativas. Tais avanços deixam entrever os albores de uma virada no eixo cultural da humanidade. Esboça-se por todas as partes um novo tipo de manifestação do feminino e do masculino em termos de parcerias, de colaboração e de solidariedade nas quais homens e mulheres se acolhem em suas diferenças no horizonte de uma profunda igualdade pessoal, de origem e de destino, de tarefa e de compromisso na construção de mais benevolência para com a vida e a Terra e de formas sociais mais participativas e solidárias.

Mas no momento atual, vivemos uma situação singular da humanidade. Como espécie, estamos num novo limiar. O aquecimento global, a exaustão dos bens e serviços naturais, a escassez de água potável e o estresse do sistema-vida e do sistema-Terra no colocam esse dilema: ou nos parimos como outra espécie humana, com outra consciência e responsabilidade ou iremos ao encontro da escuridão. O Brasil, dada a sua situação ecogeográfica privilegiada, deve assumir seu lugar central na construção do novo equilíbrio da Terra ou corremos risco de um caminho sem retorno.

É nesse momento que se exigem como nunca antes na história a vivência dos valores do feminino, da anima, como os descrevemos acima: dar centralidade à vida, ao cuidado, à cooperação, à compaixão e aos valores humanos universais.

Dilma Rousseff, como mulher, desperte para sua missão histórica única. Sua candidatura é providencial para o Brasil e para o equilíbrio da Mãe Terra. Que os eleitores, homens e mulheres, ao elegê-la Presidenta, se tornem artífices de um processo de regeneração e de um destino bom para todos.

(*) Leonardo Boff escreveu com Rose Marie Muraro, Feminino e Masculino (Record) 2002.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

PARA ENXERGAR ALÉM DO VISÍVEL!

COMPARTILHO UM TEXTO - TRATA-SE DE UMA GRANDE LUZ!

Texto de Leonardo Boff

"Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico, a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu, "capado e recapado, sangrado e ressangrado". Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguradados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política e socialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional, sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os países mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta.
Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fora construída com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam: "façamos nós a revolução antes que o povo a faça". E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado.
Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde "a coisa pública", o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade. Na linha de Gandhi, Lula anunciou: "não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido". Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. O "Fome Zero", depois o "Bolsa Família", o "Crédito Consignado", o "Luz para Todos", o "Minha Casa, minha Vida, o "Agricultura familiar, o "Prouni", as "Escolas Profissionais", entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elites econômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor.
Mas essa derrota infligida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um "não retorno definitivo" e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse. Terminou o longo amanhecer.
Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses "descobrindo/encobrindo" o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos. O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituíram índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores.
Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos.
Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Celso Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro A construção interrompida (1993): "Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-Nação" (p.35). Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso."
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.

SOBRE A LIBERDADE

Liberdade. É uma grande palavra, uma palavra bíblica. Nenhum poder deste mundo, nenhum Estado, nenhum partido, nenhuma lei, nenhuma instituição pode tirar de nós a liberdade. Pois a dignidade da vida humana está ancorada na liberdade. E sobre isso nós precisamos zelar cuidadosamente, para que ninguém nos arranque das mãos ou do coração a liberdade.
Mas o que é a liberdade? Liberdade é uma das poucas palavras que é vastamente usada com sentidos tão diferentes e compreensões tão particulares. Toda a história do ser humano está interligada de forma indissolúvel com a questão da liberdade. Por liberdade se lutou e se luta com armas e palavras. Liberdade foi proclamada e reprimida antigamente assim como ainda hoje. Em quantas bandeiras está escrita esta palavra? Em quantos discursos já a ouvimos? Em quantas resoluções ela já foi escrita?
Quando falamos de liberdade, não estamos falando da liberdade de fazer ou deixar de fazer o que convém apenas a cada um. Mas da liberdade de ajudar os outros! De fazer o bem a quem mais precisa. De ver o ser humano acima, como mais importante do que qualquer conjunto de leis. Penso na liberdade que nos liberta de tudo que nos sobrecarrega, nos oprime: da culpa, da opressão, do medo, da ganância, da indiferença, do pré-conceito. Penso na liberdade de agirmos em favor da vida. De estarmos livres de tudo aquilo que nos separa. Estarmos livres da necessidade de ter que fazer sempre o que os outros impõem.
Numa época de tanta mentira, numa época em que ainda se vende e se compra votos e pessoas, numa época em que pessoas são manipuladas diariamente, são enganadas, quando se manipulam as consciências com meias verdades que na verdade são mentiras, precisamos ser chamados à consciência para que não voltemos a ser escravos uns dos outros, mas que busquemos com muita força sermos livres para conduzir nossa vida por ações de honestidade, justiça, e verdade. Somente quem assim vive pode encontrar suficiente alimento, alegria, paz, luz, conhecimento, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e toda sorte de bens em abundância.
Há dois mil anos Jesus disse: “A verdade vos libertará e sereis verdadeiramente livres”. Não se trata, portanto, de uma liberdade barata, liberdade para ti mesmo para que possas fazer o que bem entendes, mas uma liberdade, como a do próprio Cristo, que não cessa de fazer o bem onde o amor e o coração sempre empurram para a ação.
No século XVI um monge iniciou um de seu mais importante escrito intitulado “Da liberdade cristã” com duas frases que cabem bem no final desta reflexão:
Um cristão é livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém.
Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.
E termina o escrito dizendo: Deduz-se de tudo isso que o cristão não vive em si mesmo, mas em Cristo e no próximo. Em Cristo, pela fé, e no próximo pelo amor.
 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

AUTOLIMITAÇÃO E AUTOCONTROLE – UMA CHANCE PARA O FUTURO

A degradação do espírito humano, a intolerância, a agonia climática, a podridão da corrupção, a ruína ambiental, foram marcas do século XX, e suas conseqüências mais nítidas experimentamos nesta primeira década de 2000.
Diante disso precisamos reconstruir estabilidade em nossas relações interhumanas.
Conforme o escritor russo e Nobel de Literatura de 1970, Solzhenitsyn, a autolimitação é nossa maior promessa de futuro. Para ele, “Se não aprendermos a limitar firmemente nossos desejos e exigências, a subordinar nossos interesses aos critérios morais/éticos, nós, a espécie humana, seremos simplesmente arrasados quando os piores aspectos da natureza do homem mostrarem suas garras. Isso já foi muitas vezes apontados por diversos pensadores, como o filósofo Nikolai Lossky ao afirmar: Se uma personalidade não estiver dirigida a valores mais altos do que por  interesse pessoail, a corrupção e a decadência irão inevitavelmente tomar conta. Isso significa que só podemos experimentar uma verdadeira satisfação espiritual não aproveitando, mas recusando-nos a aproveitar. Em outras palavras: autolimitação. Aqui na nossa cultura brasileira significa erradicar o “levar vantagem em tudo.!”
Hoje a autolimitação, diz Solzhenitsyn, parece-nos algo totalmente inaceitável, constrangedor, até mesmo repulsivo, num mundo onde a ordem parece ser: consumir, ganhar, vencer, gozar, acumular, ter mais, ter todo o poder, etc... Através dos séculos nos desacustumamos ao que, para nossos ancestrais, foi um hábito nascido da necessidade. Eles viveram com restrições externas muito maiores e tiveram muito menos oportunidades.
Somente neste século a grande importância do autocontrole surgiu em sua premente integridade perante a humanidade. Apesar disso, levando-se em consideração as várias ligações presentes na vida contemporânea, somente pelo autocontrole e autolimitação poderemos gradualmente curar nossa economia e a vida política corrompida.
Hoje, poucos prontamente aceitarão esse princípio para si. Entretanto, nas circunstâncias cada vez mais complexas da nossa modernidade, limitarmos a nós mesmos é o único caminho verdadeiro para a preservação de todos. E isso ajuda a recuperar a consciência de uma Autoridade Uma e Maior – acima de nós – e de um senso de humildade totalmente esquecido perante essa entidade. Somente assim poderá haver um progresso verdadeiro: a soma total do progresso espiritual de cada indivíduo, do grau de aperfeiçoamento no decorrer de suas vidas.
Vamos ter esperanças, diz Solzhenitsyn. Certamente não experimentamos em vão as provações do século XX, o século das guerras. Afinal, fomos enternecidos por essas provações, e nossas duras lições, que não devem ser esquecidas, serão, de alguma forma, passadas às gerações futuras.

O COTIDIANO NA EDUCAÇÃO

O ser humano é um ser em permanente movimento. Este movimento é o processo através do qual ele se auto-constitui, se auto-produz na busca de ser mais ser humano.  Uma das dimensões deste processo de auto-construção é o seu conhecimento, marcado e condicionado pela totalidade sócio-histórica na qual está inserido. Experiências individuais e acontecimentos particulares estão carregados de sentido comunitário e histórico.
Por isso, uma educação consciente de sua tarefa emancipadora e de sua inserção histórica, sabe que sua verdadeira práxis emerge de dentro da experiência que mergulha nos reservatórios de evidências dos educadores e educandos, isto é, no mundo da vida. É o entorno social, a comunidade dos educadores e educandos, que marca profundamente o processo que pensa esta auto-construção do ser humano.
Isso evidencia que o conhecimento é uma relação social mediada por diferentes simbologias. Esta relação é um processo de compreensão de si sobre aquilo que acontece no horizonte da lingüística do mundo da vida onde estão armazenados os trabalhos das experiências de interpretação de gerações anteriores e constitui a experiência base de toda e qualquer teoria-ação que emerge desse processo. Assim, o mundo da vida configura-se num reservatório de experiências e de evidências onde os sujeitos se movimentam e se inter-relacionam.
Esta condição faz com que o saber e a vida se construam no dia-a-dia. É a práxis diária que constrói os saberes. Por isso, o verdadeiro conhecimento implica vida e experiência. É na experiência, no diálogo, na participação que nascem as dúvidas, os questionamentos, imprescindíveis para aprendizagem, os problemas de que se originam as ciências. Conseqüentemente, necessita-se de uma relação dialética (vaivém) constante entre o senso comum, a cultura popular e a ciências enquanto construção intelectual. Os conceitos construídos intelectualmente, com o objetivo de apreender a realidade social, necessitam apoiar-se no senso comum do mundo social, isto é, no cotidiano, que é esse mundo de contatos e de conhecimentos sem intermediações.
A experiência desse cotidiano, mesclado pelas alegrias, curiosidades, tragicidades, duplicidades e ritualizações configura uma profunda riqueza cognitiva. Isso demanda o reconhecimento do inacabamento da vida humana e da sociedade que, por sua vez, exige conhecimentos inacabados, abertos, passíveis de reformulações e novas costuras. Para efetivar tal práxis, o processo de ensino-aprendizagem requer processos mais participativos nas abordagens da sociabilidade, reconhecendo a sabedoria popular, resgatando a etnometodologia, valorizando a sociologia e a pesquisa-ação.
Por isso, a prática docente necessita cada vez mais de uma mudança na percepção, uma revolução no olhar que permita reconhecer a capacidade de construção do conhecimento que o cotidiano constitui. Esta mudança requer o resgate da intercomplementaridade da existência e do conhecimento, um relativismo metodológico (diferentes saberes, lógicos e não-lógicos), um pensamento libertário que rompa os saberes absolutos, os temas fechados, as especializações das especializações, enfim, que alie conhecimento e paixão.
Desta forma, a escola poderá recuperar o lugar onde a subjetividade possa ser construída. Isso também possibilita a emancipação do currículo escolar para confrontar, no interior do currículo, as diferenças que fazem a educação. “Diferenças culturais, de gênero, de religião, de classe e diferentes ritmos de aprendizagem são expressões manifestadas pela linguagem nas suas formas verbais e não-verbais”. (Weschenfelder, Espaço da Escola, n. 20, 1996, p. 36)
Essas diferentes linguagens permitem o resgate da vida dos educadores e educandos para que a sua realidade e o seu mundo da vida, nas inter-relações com os saberes construídos historicamente e acumulados no reservatório da cultura, possam produzir novos saberes emancipatórios que ajudem na desconstrução de saberes que aprisionam a liberdade e atrofiam a vida.
Cabe à prática docente, juntamente com todos os concernidos do processo educativo, potencializar o currículo escolar como uma estratégia de política cultural que tematize a realidade dos educadores e educandos.
Isso significa o resgate da educação problematizadora como forma de política cultural que interpenetre os diferentes saberes, conhecimentos e ciências que constituem a vida das escolas e das universidades sem, no entanto, cair no reducionismo psicologizante que tem marcado as práticas educativas escolares e universitárias.