quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O COTIDIANO NA EDUCAÇÃO

O ser humano é um ser em permanente movimento. Este movimento é o processo através do qual ele se auto-constitui, se auto-produz na busca de ser mais ser humano.  Uma das dimensões deste processo de auto-construção é o seu conhecimento, marcado e condicionado pela totalidade sócio-histórica na qual está inserido. Experiências individuais e acontecimentos particulares estão carregados de sentido comunitário e histórico.
Por isso, uma educação consciente de sua tarefa emancipadora e de sua inserção histórica, sabe que sua verdadeira práxis emerge de dentro da experiência que mergulha nos reservatórios de evidências dos educadores e educandos, isto é, no mundo da vida. É o entorno social, a comunidade dos educadores e educandos, que marca profundamente o processo que pensa esta auto-construção do ser humano.
Isso evidencia que o conhecimento é uma relação social mediada por diferentes simbologias. Esta relação é um processo de compreensão de si sobre aquilo que acontece no horizonte da lingüística do mundo da vida onde estão armazenados os trabalhos das experiências de interpretação de gerações anteriores e constitui a experiência base de toda e qualquer teoria-ação que emerge desse processo. Assim, o mundo da vida configura-se num reservatório de experiências e de evidências onde os sujeitos se movimentam e se inter-relacionam.
Esta condição faz com que o saber e a vida se construam no dia-a-dia. É a práxis diária que constrói os saberes. Por isso, o verdadeiro conhecimento implica vida e experiência. É na experiência, no diálogo, na participação que nascem as dúvidas, os questionamentos, imprescindíveis para aprendizagem, os problemas de que se originam as ciências. Conseqüentemente, necessita-se de uma relação dialética (vaivém) constante entre o senso comum, a cultura popular e a ciências enquanto construção intelectual. Os conceitos construídos intelectualmente, com o objetivo de apreender a realidade social, necessitam apoiar-se no senso comum do mundo social, isto é, no cotidiano, que é esse mundo de contatos e de conhecimentos sem intermediações.
A experiência desse cotidiano, mesclado pelas alegrias, curiosidades, tragicidades, duplicidades e ritualizações configura uma profunda riqueza cognitiva. Isso demanda o reconhecimento do inacabamento da vida humana e da sociedade que, por sua vez, exige conhecimentos inacabados, abertos, passíveis de reformulações e novas costuras. Para efetivar tal práxis, o processo de ensino-aprendizagem requer processos mais participativos nas abordagens da sociabilidade, reconhecendo a sabedoria popular, resgatando a etnometodologia, valorizando a sociologia e a pesquisa-ação.
Por isso, a prática docente necessita cada vez mais de uma mudança na percepção, uma revolução no olhar que permita reconhecer a capacidade de construção do conhecimento que o cotidiano constitui. Esta mudança requer o resgate da intercomplementaridade da existência e do conhecimento, um relativismo metodológico (diferentes saberes, lógicos e não-lógicos), um pensamento libertário que rompa os saberes absolutos, os temas fechados, as especializações das especializações, enfim, que alie conhecimento e paixão.
Desta forma, a escola poderá recuperar o lugar onde a subjetividade possa ser construída. Isso também possibilita a emancipação do currículo escolar para confrontar, no interior do currículo, as diferenças que fazem a educação. “Diferenças culturais, de gênero, de religião, de classe e diferentes ritmos de aprendizagem são expressões manifestadas pela linguagem nas suas formas verbais e não-verbais”. (Weschenfelder, Espaço da Escola, n. 20, 1996, p. 36)
Essas diferentes linguagens permitem o resgate da vida dos educadores e educandos para que a sua realidade e o seu mundo da vida, nas inter-relações com os saberes construídos historicamente e acumulados no reservatório da cultura, possam produzir novos saberes emancipatórios que ajudem na desconstrução de saberes que aprisionam a liberdade e atrofiam a vida.
Cabe à prática docente, juntamente com todos os concernidos do processo educativo, potencializar o currículo escolar como uma estratégia de política cultural que tematize a realidade dos educadores e educandos.
Isso significa o resgate da educação problematizadora como forma de política cultural que interpenetre os diferentes saberes, conhecimentos e ciências que constituem a vida das escolas e das universidades sem, no entanto, cair no reducionismo psicologizante que tem marcado as práticas educativas escolares e universitárias.

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